Avanços recentes na bioimpressão 3D permitem a geração de estruturas intrincadas com dimensões relevantes para o tecido humano, porém biotintas adequadas para a produção de tecidos translacionalmentes relevantes com geometrias complexas permanecem ainda não identificadas. Relatamos aqui uma biotinta híbrida específica de tecido, composta por um polímero natural denominado alginato, reforçada com matriz extracelular.
A equipe de pesquisadores da Universidade Lund, na Suécia, desenvolveu uma nova biotinta que permite que pequenas vias aéreas de tamanho humano sejam bioimpressos em 3D com a ajuda de células de pacientes pela primeira vez. Os construtos impressos em 3D são biocompatíveis e suportam o crescimento de novos vasos sanguíneos no material transplantado. Este é um primeiro passo importante para a impressão 3D de órgãos.
A terceira maior causa de morte mundial são as doenças pulmonares crônicas, com um custo anual de mais de 380 milhões de euros na UE. No entanto, como muitas doenças crônicas não dispõem de cura, a única opção disponível para esses pacientes consiste no transplante de pulmão. Contudo, tal possibilidade é muito limitada, considerando que não possuem doadores suficientes para que a demanda clínica seja atendida.
Dessa forma, visando proporcionar maior disponibilidade de pulmões a serem transplantados, pesquisadores tem focado em estudos de bioengenharia para a produção laboratorial de tais órgãos a fim de amenizar o sofrimento de pacientes que estão na fila de espera.
A professora associada Darcy Wagner, autora sênior do estudo, explica que começou produzindo pequenos tubos, por ser esse um recurso encontrado tanto nas vias áreas quanto na vasculatura pulmonar.
“Ao usar nossa nova biotinta com células-tronco isoladas das vias aéreas do paciente, fomos capazes de bioimprimir pequenas vias aéreas constituídas por várias camadas de células que permaneceram abertas ao longo do tempo ”, diz Darcy Wagner.
Figura 1 - Pequenas vias aéreas com impressão biográfica 3D feitas de dois tipos de células (azul e amarelo) permanecem abertas ao longo do tempo.
Fonte: https://www.lunduniversity.lu.se/article/new-bioink-brings-3d-printing-human-organs-closer-reality. Acesso em 20 mar. 2021.
Primeiramente os pesquisadores formularam uma nova biotinta (um material imprimível com células) para impressão 3D de tecido humano. A biotinta foi composta de alginato e matriz extracelular derivada de tecido pulmonar.
Essa nova biotinta suporta o material bioimpresso em vários estágios de seu desenvolvimento até o tecido. Os pesquisadores usaram a biotinta para bioimprimir pequenas vias respiratórias humanas com dois tipos de células encontradas nas vias, podendo ser adaptada para qualquer tipo de tecido ou órgão.
Essas biotintas da próxima geração também suportam a maturação das células-tronco das vias aéreas em vários tipos de células encontradas nas vias respiratórias de humanos adultos, o que significa que menos tipos de células precisam ser impressas, reduzindo o número de bicos de impressão necessários para imprimir tecidos feitos de vários tipos de células.
A observação de Darcy Wagner é que, para bioimprimir mais tecido pulmonar distal e alvéolos, que são vitais para a troca gasosa, a resolução precisa ser melhorada.
“Esperamos que novas melhorias tecnológicas das impressoras 3D disponíveis e mais avanços das biotintas permitam a bioimpressão em uma resolução mais alta, a fim de projetar tecidos maiores que possam ser usados para transplante no futuro. Ainda temos um longo caminho a percorrer”, diz ela.
Figura 2 - Infiltração de vasos sanguíneos nos construtos 3D bioimpressos.
Fonte: https://www.lunduniversity.lu.se/article/new-bioink-brings-3d-printing-human-organs-closer-reality. Acesso em 20 mar. 2021.
A equipe usou um modelo de camundongo com imunossupressão muito parecida com a usada em pacientes submetidos a transplante de órgãos. Quando transplantados, eles descobriram que os construtos impressos em 3D feitos a partir da nova biotinta eram bem tolerados e suportavam novos vasos sanguíneos.
Esse trabalho abre caminho para a próxima geração de biotintas específicas para tecidos e traz a bioimpressão 3D de tecido humano para transplante um passo mais perto da realidade, incluindo as soluções da matriz extracelular que não podem ser produzidas espontaneamente por conta própria. No entanto, biorreatores e esquemas de cultura ex vivo para cada tecido precisarão ser desenvolvidos para o controle preciso dos fatores (por exemplo, ambientais, meios, fatores de crescimento, etc.) que influenciam a maturação do tecido.
“O desenvolvimento desta nova biotinta é um avanço significativo, mas é importante para validar ainda mais a funcionalidade das pequenas vias aéreas ao longo do tempo e explorar a viabilidade dessa abordagem em modelos animais de grande porte”, conclui Martina De Santis, a primeira autora do estudo.
Principais referências utilizadas na matéria:
Lund University. New bioink brings 3D-printing of human organs closer to reality. Disponível em: https://www.lunduniversity.lu.se/article/new-bioink-brings-3d-printing-human-organs-closer-reality. Acesso em 20 mar. 2021.
Santis M.M., Alsafadi, H.N. Tas, S. et al. Bioinks de matriz extracelular reforçada para bioprinting 3D de tecido humano. Advanced Materials. Doi: 10.1002/adma.202005476.
Como citar essa matéria:
FERREIRA, M. J. M. Nova biotinta aproxima a bioimpressão 3D de órgãos humanos da realidade. https://www.bioedtech.online/post/nova-biotinta-aproxima-a-bioimpressao-3d-de-orgaos-humanos-da-realidade. Blog BioEdTech. Assis, 5 de abril de 2021.
Maria Malagutti é nutricionista e mestre em Biociências pela UNESP. Tem experiência em engenharia de tecidos, medicina regenerativa e translacional, atuando nos seguintes temas: cultivo celular e análise de genotoxicidade em células-tronco hematopoéticas e células estromais mesenquimais, culturas celulares tridimensionais (esferoides e organoides), terapia celular em modelos experimentais de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC / enfisema), impressão e bioimpressão 3D de hidrogéis como alternativa terapêutica em úlceras cutâneas de difícil cicatrização.
Atualmente é colaboradora da BioEdTech e Pesquisadora Associada do Laboratório de Genética e Terapia Celular - GenTe Cel - Departamento de Biotecnologia - UNESP (Campus de Assis).
Contato: maria.malagutti@bioedtech.com.br
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